Coronavírus e turismo: como ficam as relações de consumo e o Judiciário.

Grupo Mathesis • mar. 20, 2020

A pandemia do Coronavírus traz consigo relações que consequentemente irão terminar no Poder Judiciário, seja pela falta de regulamentação por se tratar de assunto extremamente recente, seja pelo fato do consumidor e fornecedor não chegarem em um consenso , entre outras.

Com isso, é oportuno mencionar exemplos de situações que já estão sendo submetidos aos juízes.

A primeira e mais óbvia que está gerando o debate em ações refere-se ao direito do consumidor, uma vez que, devido ao surto em diversos países e regiões, os consumidores que adquiriram pacotes de viagens, por exemplo, estão buscando o ressarcimento ou ao menos a redesignação do passeio.

Qual é o cenário atual do setor de Turismo?

Como estamos diante de uma situação atípica, surge a necessidade de uma compreensão maior dos fornecedores de produtos e serviços, e até mesmo do consumidor.

Observando a Resolução n° 400 da ANAC, constata-se que não existe uma previsão expressa de remarcação ou cancelamento de viagens e voos por motivos de saúde pública que isente o consumidor de encargos como multas. Mas, por outro lado, o Código de Defesa do Consumidor expressa em seu art. 6°, III , que o consumidor será protegido a não pagar multa em situações inabituais, como enfermidades epidêmicas disseminadas em larga escala e sem controle dos órgãos governamentais.

De acordo com a regulamentação da Anac, o consumidor pode desistir da compra, sem qualquer ônus, em até 24 horas após o recebimento do comprovante da passagem aérea e desde que a compra aconteça com 7 dias ou mais de antecedência à data do voo. Na hipótese da compra ter sido realizada através de meios eletrônicos, o Código de Defesa do Consumidor prevê até 7 dias para requerer o cancelamento.

Entretanto, muitos consumidores não se enquadram mais dentro desse critério. Nesse caso, cada companhia aérea possui uma política de multa, tarifas e reembolso.

Quais estão sendo os reflexos no Judiciário a favor do fornecedor?

Segundo casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), identifica-se um padrão de que as empresas aéreas reembolsem 80% do valor pago pelo consumidor, retendo 20%.

Podemos utilizar como exemplo a época do contágio do H1N1, o Tribunal de Justiça de SP (Apelação Cível 0017080-71.2010.8.26.0019) julgou um caso de cancelamento de passagens e pacotes turísticos entendendo que não era razoável exigir que a empresa aérea devolvesse a integralidade dos valores pagos pelos requerentes, sendo cabível a retenção do valor de 20% prevista contratualmente. [1]  

A respeito do COVID-19, um caso recentíssimo foi julgado em caráter liminar pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios onde um casal acionou a empresa Decolar.com, uma vez que adquiriram passagens para uma viagem com destino à Europa, especificamente Lisboa/Portugal, com embarque em 16 de março, e, devido aos diversos casos do vírus e sua rápida disseminação, requereram a remarcação das datas das passagens sem custo ou taxas adicionais.

A juíza do caso deferiu a tutela obrigando a empresa a alterar a data da viagem, remarcando as passagens sem custo adicional. Argumenta que verifica a necessidade do adiantamento da viagem com novas passagens por motivos de força maior, por conta dos vários casos por todo o mundo e que, muito embora não seja, nas palavras da julgadora: “responsabilidade das empresas o fato extraordinário, a vulnerabilidade do consumidor nessas relações de consumo autoriza tal medida, pois a exigência de taxas e multas em situações como a atual, de emergência mundial em saúde, é prática abusiva e proibida pelo Código de Defesa do Consumidor” (Art. 6º)” (Proc. 0703587-59.2020.8.07.0020, 3ª Vara Cível de Águas Claras/TJDFT). De tal decisão cabe recurso ao Tribunal.

Situação semelhante foi submetida ao Judiciário do Rio Grande do Sul , onde o juiz da 1ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, também concedeu uma liminar para que as empresas Decolar.com, GOL Linhas Aéreas e ALITALIA procedam com a remarcação dos voos. Referido caso também comporta recurso à segunda instância.

Quais são os próximos passos?

Ademais, objetivando diminuir os efeitos da atual conjuntura decorrente do COVID-19, no dia 18 de março o ministro Tarcísio Freitas declarou que serão concedidas às companhias aéreas, através de uma Medida Provisória , um prazo maior para proceder com a devolução das quantias pagas pelos passageiros em viagens que foram canceladas por conta do vírus.

Pelo exposto, é visível que por ora nenhuma decisão é definitiva e com entendimento sedimentado, uma vez que a discussão deve chegar em breve aos Tribunais que poderão ou não reformá-las em algum ponto, gerando assim uma compreensão mais sólida sobre os casos envolvendo o COVID-19.

Contudo, fica claro que, muito embora haja a vulnerabilidade do consumidor envolvida, não deve ser desconsiderado o enorme ônus que recairá sobre as empresas na hipótese de terem de arcar com todo o prejuízo.

No momento atual, é preciso ter bom senso. A vida é inegociável. Entretanto, é necessário nos preocuparmos também com a saúde das empresas, pois provém delas o sustento da população.

Como evitar um prejuízo maior?

No caso das agências de turismo e de transportes, é aconselhável que cancelem as viagens para destinos com focos de contaminação pelo vírus sem multas, em caso de solicitação do contratante, pois a continuidade das vendas de viagens por parte dessas empresas pode configurar a ciência de risco que deverão assumir.

É recomendado também que as empresas desse ramo ampliem os meios de informação ao consumidor sobre a doença e as formas de contágio, como por exemplo, publicações e desenvolvimento de links nas páginas e sites oficiais das empresas, de forma que o consumidor ao realizar a compra de passagem faça a constatação das formas de prevenção e que empresa está se empenhando para conter a disseminação do vírus.

É necessário redobrar o esforço para fornecer informações claras, precisas e ostensivas sobre as regras de cancelamento e alterações, para que o consumidor não enfrente dificuldades.

Disponibilizar opções de remarcação de voos também é uma alternativa favorável à ambos os lados, podendo ser incluído alteração de viagens sem custo adicional ou adiamento. Há também a possibilidade do cancelamento da viagem, sendo disponibilizado ao consumidor o valor como crédito para outras viagens, sem aplicação de taxas por esse serviço.

Orienta-se ainda que é indispensável a negociação entre as empresas e consumidores para que haja a melhor solução para esse conflito, lembrando que a pandemia e a falta de bom senso prejudicarão a todos e, dado o contexto, nenhum dos dois lados tem culpa.

Especialistas envolvidas

Foto de Jaquelinne Costa

Jaquelinne Vicentin Barbosa da Costa
Advogada – Contencioso Civil Empresarial. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil Subseção de São Paulo sob n° 427.928. Pós-graduanda em Direito Civil e Processual Civil na Instituição Toledo de Ensino.

Foto de Juliana Costa

Juliana Augusto da Costa .
Advogada – Contencioso Civil Empresarial. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil Subseção de São Paulo sob n° 386.121. Pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela instituição Damásio de Jesus e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela instituição ESA.

SNIPER: ferramenta lançada pelo CNJ agilizará busca de patrimônio
19 ago., 2022
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Frete cobrado do adquirente deve ser excluído da base de cálculo do IPI
20 jun., 2022
Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 567.935-RG (Tema nº 84), é inconstitucional a inclusão do frete cobrado do adquirente na base de cálculo do IPI , não podendo ser exigido do contribuinte. A Lei nº 7.798/89 pretendeu ampliar a base de cálculo do IPI, de modo a nela se incluir os valores de frete. Entretanto, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, referida Lei padece de inconstitucionalidade formal , uma vez que possui natureza jurídica de lei ordinária , e não de lei complementar , como exige a Constituição Federal. Por sua vez, o Código Tributário Nacional , diploma recepcionado com status de lei complementar, expressamente prevê que a base de cálculo do IPI consiste no valor da operação de industrialização, no qual não se incluem os valores pagos a título de frete , conforme também já acertadamente decidiu o Superior Tribunal de Justiça. Desta forma, a Lei nº 7.798/89, além de contrariar a previsão da Constituição Federal, também contraria o Código Tributário Nacional ao pretender incluir os valores de frete na base de cálculo do imposto. Assim, o contribuinte, além de não estar obrigado a recolher IPI com a inclusão desses valores na base de cálculo, também possui direito de restituir os valores pagos indevidamente nos últimos 5 (cinco) anos . Não obstante a decisão da Suprema Corte, a Receita Federal continua exigindo o imposto com a inclusão desses valores, de modo que persiste a necessidade de buscar o Poder Judiciário para o reconhecimento deste direito. Ficou com alguma dúvida ou quer saber se essa tese é viável para a sua empresa? Procure um de nossos especialistas! Especialista Envolvida Mariana Di Flora Ramos - Advogada Tributarista. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.
Cotas de Menor Aprendiz e PCD's
20 jun., 2022
Você sabia que o cálculo incorreto das cotas de menor aprendiz e de pessoas com deficiência (PcD) pode acarretar em custos desnecessários para a empresa ou em multas administrativas? Com o intuito de inclusão ao mercado de trabalho das pessoas portadoras de deficiência, bem como a fim de estimular a contração de pessoas em processo de aprendizagem, a legislação brasileira criou dispositivos que instituem a obrigatoriedade das empresas em observar o cumprimento de duas cotas: a de menores aprendizes e a de portadores de deficiência. O art. 429 da CLT é expresso quanto a obrigatoriedade de contratação de menores aprendizes (maior de 14 e menor de 24 anos), num percentual de 5 à 15% do número de trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional. Já o art. 93 da lei 8.213/91 dispõe que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência. Embora haja aparente facilidade e igualdade na forma de realização dos cálculos para atendimento das normas supracitadas, cada uma delas traz peculiaridades específicas, tais como diferença entre matriz e filial, observância ou não do grupo econômico, forma de identificação das funções que deverão ou não integrar a contagem. A inobservância de tais peculiaridades pode acarretar na contagem incorreta quanto ao número de colaboradores a serem contratados para suprir as referidas cotas, o que poderá gerar custos desnecessários às organizações. Além de submeter a empresa à aplicação de multas administrativas decorrentes de eventual fiscalização dos órgãos públicos que constatem o descumprimento da legislação no momento da inspeção. Sendo assim, é importante que a empresa se atente aos requisitos de apuração e que revisite periodicamente a condição de sua adequação. Ficou interessado e quer saber mais sobre como se adequar? Entre em contato conosco agora mesmo e converse com um de nossos especialistas! Especialista Envolvida Juliana Romero - Advogada e Consultora em Gestão de Risco Empresarial. Pós-graduada em Direito Trabalhista e Previdenciário.
Empresa fechada
13 mai., 2022
A 2º Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº. 1.877.340/RS, manteve a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que responsabilizou o sócio-gerente da empresa fechada irregularmente. O contribuinte sustentou que a empresa não foi fechada irregularmente. Ela estava inativa (inclusive com a entrega da declaração de inatividade), bem como cumpria todas as obrigações acessórias exigidas. Os Ministros entenderam que por não ter sido encontrada a empresa, pelo oficial de justiça, no endereço indicado como domicilio fiscal, presume-se que foi fechada irregularmente, aplicando o entendimento fixado na Súmula 435 do STJ, legitimando assim, o redirecionamento da execução fiscal contra o ex-sócio. 
Rastreamento de frota via satélite
13 mai., 2022
Em decisão por maioria (processo nº. 10925.909195/2011-48), a 3ª Turma do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) considerou que os gastos da empresa com rastreamento de frota via satélite podem ser entendidos como insumo . Assim, o custo com a atividade gera créditos de PIS e COFINS , por serem considerados essenciais ao desenvolvimento da referida atividade (conforme entendimento fixado pelo STJ no Resp 1.221.170). Foi alegado pela contribuinte que tais gastos são despesas indispensáveis ao transporte de cargas, se caracterizando assim, insumo. Citou o art. 1º da Resolução 245/2007 do CONTRAN, onde consta a exigência de que os veículos devem ser equipados com sistema que possibilite o bloqueio e rastreamento do veículo. Importante mencionar que a empresa envolvida transporta produtos químicos, farmacêuticos, perfumaria, materiais de limpeza e alimentos.
Profissional calculando o valor do ITBI do contribuinte
04 mai., 2022
Para a definição da base de cálculo do ITBI (imposto pago sobre a transmissão de bens imóveis), é prática comum que os Municípios comparem o valor da venda declarada pelo contribuinte com o valor do IPTU ou, ainda, com o valor de referência definido de forma unilateral pelo Município. Segundo o Fisco, o ITBI incidiria sobre o valor maior entre essas cifras. Contudo, em decisão recente, o Superior Tribunal de Justiça definiu que a base de cálculo do ITBI deve ser o valor da transação imobiliária , conforme declarado pelo contribuinte , de modo que não está vinculada à base de cálculo do IPTU e nem sequer poderá ser arbitrada de forma prévia e unilateral pelo Fisco . Assim, a declaração do contribuinte goza de presunção de veracidade e boa-fé, a qual somente poderá ser afastada mediante processo administrativo instaurado pelo Fisco Municipal. Na prática, nos casos em que o valor da transação declarado pelo contribuinte for menor do que aquele previamente fixado pelos Municípios, poderá ser pleiteada a redução do imposto a pagar ou, ainda, a restituição do imposto já recolhido nos últimos 5 (cinco) anos . A decisão proferida pela Corte deverá ser necessariamente observada por todo o Judiciário na análise de processos idênticos ao tema. Contudo, a decisão não vincula o Fisco Municipal (Órgão do Poder Executivo), de modo que é possível que a Prefeitura mantenha a mesma sistemática de cobrança, ainda que de forma ilegal . Por isso, persiste a necessidade de que o contribuinte busque ver reconhecido seu direito em particular, junto ao Poder Judiciário, conforme decisão emanada pelo Superior Tribunal de Justiça. Especialista Envolvida Mariana Di Flora Ramos - Advogada Tributarista. Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.
Juiz proferindo a sentença final
26 abr., 2022
A justiça do Rio de Janeiro condenou duas empresas de transporte a indenizarem em R$ 30.000,00, por danos morais, uma ex-colaboradora que denunciou assédio moral e sexual praticado por um preposto da empresa no ambiente de trabalho. Confira mais informações a seguir.
Empresário analisando os boletos de dívidas ativas
26 abr., 2022
Portaria do Ministério da Economia aumenta o limite em até R$ 15.000.000,00 para parcelamento sem garantia de débitos inscritos em dívida ativa. Confira mais informações a seguir.
Pessoa inserindo o cartão no caixa eletrônico
20 abr., 2022
A Medida Provisória 1105/22 autorizou um novo saque extraordinário do FGTS, que será limitado ao valor de R$ 1.000,00 por trabalhador. O saque extraordinário começa hoje (20/04/2022). Confira a seguir se a sua empresa está livre de riscos.
Pessoa física declarando o IR
18 abr., 2022
Fique por dentro da data limite para a entrega da Declaração de Imposto de Renda pessoa física.
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