O instituto da compensação possui grande relevância no âmbito tributário, uma vez que consiste em uma forma legal de extinção da obrigação tributária [1] , possibilitando às empresas que possuem créditos perante as Fazendas Públicas, promoverem a satisfação ou a redução de seus débitos fiscais.
De modo geral, a compensação se opera quando duas pessoas são, simultaneamente, credoras e devedoras umas das outras [2] , referente a dívidas líquidas (ou seja, o seu objeto e valor são precisos e determinados) e certas (não há dúvidas ou discussões quanto a sua existência).
Diferentemente do âmbito cível – no qual os particulares possuem uma maior liberdade de negociação e decisão – quando se trata da compensação na seara tributária, o referido instituto possui uma maior rigidez, não bastando a simples reciprocidade de dívidas, tendo em vista que a sua operacionalização dependerá da existência de lei que estipule as respectivas condições e garantias ou que delegue a autoridade administrativa à aludida atribuição. [3]
Em razão da necessidade de regulamentação específica para a ocorrência da compensação e a infinidade de situações experimentadas no cotidiano empresarial, pairam inúmeras dúvidas acerca de quais hipóteses essa pode ser realizada, bem como do procedimento a ser adotado.
Dentre os variados aspectos, um dos pontos que comumente é objeto de questionamento em relação à temática consiste quanto na possibilidade de compensação de débitos fiscais com créditos decorrentes de precatórios, de modo que, visando trazer maiores esclarecimentos acerca da referida questão, o presente texto abordará brevemente um panorama geral do assunto.
O precatório consiste no instrumento pelo qual se vale o Poder Judiciário para requisitar à Fazenda Pública que faça o pagamento dos valores a que tenha sido condenada em processo judicial, encontrando sua regulamentação geral no artigo 100, do texto constitucional. [4]
No âmbito federal, a compensação de débitos perante a Fazenda Pública com os créditos provenientes de precatórios está disciplinada pela Lei 12.431/2011 , que traz os requisitos específicos para que essa ocorra: (I) Os débitos devem ser líquidos e certos , ainda que parcelados ou inscritos em dívida ativa; (II) Os débitos não podem estar com a exigibilidade suspensa , ressalvado os casos de parcelamento; (III) Os créditos e débitos a serem compensados devem ser oriundos do mesmo ente público e (IV) Os créditos a serem compensados devem decorrer de decisão judicial transitada em julgado (ou seja, após decorrer o prazo para interposição de eventuais recursos), não se aplicando àqueles considerados como de pequeno valor (RPV) [5].
Quando aquele que pretende fazer a compensação é o titular originário do crédito expresso no precatório, não há maiores impedimentos no procedimento, haja vista que, preenchido todos os requisitos autorizadores, a compensação se operará na esfera judicial, nos próprios autos do processo de execução do precatório.
Entretanto, situação diversa ocorre quando o crédito que se deseja compensar é originário de terceiros, como aquele decorrente de cessão de crédito/de precatório, de modo que o contribuinte encontrará inúmeros percalços em sua realização, com prováveis chances de não obter êxito na operacionalização da compensação.
À priori, insta salientar que é perfeitamente autorizado pelo ordenamento jurídico que uma pessoa realize a cessão de precatórios a terceiros, independentemente do consentimento da entidade devedora [6] , consistindo, inclusive, em prática rotineira no mercado a compra e venda desses, haja vista que, em regra, trata-se de negócio vantajoso às partes (ao cedente, pois recebe o dinheiro mais rapidamente do que se aguardasse o pagamento pelo ente público e ao cessionário, uma vez que adquire o crédito, normalmente, com grande deságio).
Contudo, no que tange especificamente a compensação dos aludidos créditos com débitos decorrentes de tributos federais , a sua realização é vedada e considerada como não declarada pela Receita Federal , conforme expressamente estabelecido no artigo 75, inciso I, da IN RFB nº 1.717/2017 , acarretando, sem prejuízo das demais cominações legais, na aplicação de multa isolada em 75% do valor total do débito (ou 150%, quando comprovada falsidade na declaração efetuada), a qual pode ser majorada caso o contribuinte não preste esclarecimentos ou não apresente os documentos solicitados no prazo designado. [7]
Inclusive, vale destacar que a Receita Federal, quando instada acerca da questão [8] , se manifestou categoricamente no sentido de que a compensação envolvendo precatórios deve ser cumprida de ofício, na via judicial, não havendo previsão para que essa ocorra por iniciativa do contribuinte junto à esfera administrativa , o que ratifica a inviabilidade de compensação de precatório de terceiros no âmbito federal.
Desse modo, em que pese sempre haver a possibilidade de levar a questão para discussão no âmbito judicial, sopesando as peculiaridades de cada caso, o entendimento dos Tribunais e Cortes Superiores pátrias vem caminhando no sentido de considerar legal a restrição da compensação apenas aos créditos próprios, visto que o próprio Código Tributário deixa a cargo do legislador ou da autoridade administrativa o estabelecimento das condições para que se efetive a compensação. [9]
Embora a compensação com créditos oriundos de Precatórios seja um importante instrumento para extinção ou redução de débitos fiscais, devem as Empresas se atentarem que sua admissão na esfera federal vem sendo implementada apenas com aqueles que são próprios , de modo que, considerando o posicionamento administrativo e judicial recente, a opção pela compensação com créditos de terceiro pode trazer inúmeros riscos ao contribuinte, cujos reflexos podem incidir diretamente na estrutura financeira do negócio.
Portanto, é de suma importância que as Empresas estejam atentas a eventuais soluções propostas envolvendo a utilização de créditos de terceiros para quitação de débitos fiscais, a fim de evitar autuações e/ou outros procedimentos fiscais (inclusive, a própria Receita Federal vem emitindo alertas aos contribuintes quanto a temática, salientando que até o fim do ano de 2018, foram instaurados 270 procedimentos fiscais que resultaram em autuações de aproximadamente R$ 800 milhões, além de bilhões em glosas em compensações e declarações [10] ) , sendo sempre recomendado a realização de consulta com profissionais da área antes de proceder com qualquer operação.
[1] Art. 156, inciso II, do Código Tributário Nacional.
[2] Art. 368, do Código Civil.
[3] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 11 ed. rev. atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2017. P. 523
[4] PISCITELLI, Tathiane. Direito Financeiro Esquematizado. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2015
[5] Artigos 30 a 44, da Lei 12.431/2011
[6] Artigo 100, §13 e §14, da Constituição Federal
[7] Art. 75, §§1º e 2º, da IN RFB 1.717/2017
[8] SC Cosit nº 101/2014 e SC SRRF06/Disit nº 6.021/2017
[9] a) AgInt no AREsp 863.902/SP , Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2016, DJe 09/09/2016; b) REsp 1362591/PI , Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2015, DJe 29/05/2015; c) REsp 1238987/SC , Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/05/2011, DJe 16/05/2011); ; d) REsp 993.925/RS , Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 19/08/2010;
[10] BRASIL, Ministério da Economia – Receita Federal. Receita Federal alerta para publicidade fraudulenta oferecendo possibilidade de compensação mediante compra de créditos de terceiros. Disponível em << http://receita.economia.gov.br/noticias/ascom/2019/julho/receita-federal-alerta-para-publicidade-fraudulenta-oferecendo-possibilidade-de-compensacao-mediante-compra-de-creditos-de-terceiros-2>>, Acesso em 17/09/2019.
New Paragraph
Desenvolvido por Mobsite - Tecnologia para sites ©